Em discussão no Senado Federal, o novo marco legal das ferrovias deve prever a possibilidade de que trechos abandonados possam, novamente, ser ofertadas ao mercado, seja por concessão, autorização ou permissão. É o que prevê o relator do projeto, senador Jean Paul Prates (PT-RN), em parecer a ser apresentado nesta semana na Comissão de Infraestrutura (CI) da Casa.
O projeto é de autoria do senador José Serra (PSDB-SP) e tramita em caráter terminativo, o que dispensa aprovação do Plenário da Casa. Por isso, a discussão tem sido acompanhada de perto pelo Ministério da Infraestrutura, que negociou uma série de ajustes com o parlamentar petista. O objetivo tanto do Senado como do governo é fomentar o interesse por faixas de domínio que estão sem atividade há décadas.
“Uma das soluções é que, uma vez que seja verificado que um pedaço da malha está abandonado, o próprio concessionário possa dizer que está interessado em devolver, mas sem maiores dificuldades, ou seja, para que ele possa devolver sem maiores traumas. [O concessionário possa tomar essa decisão] sem ter que pagar um montante ao Estado para devolver algo que já está há 40 anos abandonado”, disse Jean Paul.
Apesar de muitos desses trechos não terem mais trilhos ou qualquer tipo de estrutura, a proposta é considerada um avanço. Ela facilitaria o acesso às chamadas “faixas de servidão de áreas desapropriadas destinadas a construção e passagem das ferrovias. “Quase um terço do investimento em ferrovia é faixa de servidão. Essas negociações por desapropriações, por exemplo, consomem um terço dos recursos para um projeto novo de ferrovias. No caso das ferrovias abandonadas, vai se usar a mesma faixa de domínio, pode não se usar o trilho, bitola, porque talvez essas estruturas não existam mais, mas só de poder usar o mesmo domínio já é um grande avanço”, disse.
Um estudo feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), no ano passado, identificou que quase um terço dos trilhos no país não recebe um único trem por dia. Dos 28.218 quilômetros de malha ferroviária, 8.600 quilômetros (31%) estão completamente inutilizados. Desse total, cerca de 6.500 quilômetros já se deterioraram tanto que não podem ter operações nem mesmo que as concessionárias quisessem.
Segundo uma fonte oficial ligada à área de infraestrutura, o governo tem “80% de concordância” com a versão dada pelo senador Prates ao projeto. A ordem, neste momento, é acelerar a tramitação do projeto e não gastar tanta energia em detalhes. Ajustes podem ser negociados na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que deve analisar o texto em caráter terminativo no Senado, ou então durante a tramitação na Câmara.
Nos bastidores, o governo diz já ter recebido manifestações de interesse dos investidores estrangeiros em usar esse novo modelo em discussão para construir as chamadas “short lines” – pequenas ferrovias que operam em ramais secundários, a partir das grandes linhas férreas. Hipoteticamente, seria um ramal de curta extensão saindo da Norte-Sul para escoar os grãos de uma fazenda em Goiás ou saindo da Malha Paulista para atender a uma fábrica no interior de São Paulo. Nos Estados Unidos, existem 603 “short lines” em funcionamento. Elas representam 29% de toda a malha existente no país.
Além dessa mudança, o relator trata de regular o regime de autorização, como forma de facilitar e permitir à iniciativa privada a construção e a operação de suas próprias ferrovias.
Na prática, replicaria no sistema ferroviário uma experiência já bem sucedida nos portos, que receberam bilhões de reais de investimentos em novos terminais usando um regime mais flexível.
Nesse sentido, a proposta estabelece que as autorizações não terão vigência predefinida, sendo extintas somente por cassação, caducidade, decaimento, renúncia, anulação ou falência. Essa possibilidade de negócio será feita em regime de direito privado e realizada mediante autorização, precedida de chamada e anúncio públicos, explicou o senador.
O ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, gostaria de usar o modelo de autorização para levar adiante a Ferrogrão – um projeto de R$ 14 bilhões que ligaria Sinop (MT) a Miritituba (PA).
Como só existe um grupo declaradamente interessado e há riscos maiores do que em outros empreendimentos, Tarcísio considera a autorização mais adequada do que uma concessão.
Fonte: Valor
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